Contexto Histórico do Conflito Israelo-Árabe

A questão Israelo-Árabe é frequentemente mal entendida por falta de conhecimento histórico ou por sectarismo ideológico. Em relação ao sectarismo ideológico, pouco se pode fazer pois, poucas pessoas são capazes de verdadeiro pensamento crítico, ideológicamente independente. Mas relativamente ao contexto histórico, valerá a pena esclarecer o enquadramento desta questão que já conta com 100 anos da nossa história recente.

Os povos Semitas mais ancestrais, datam de cerca de 3500 a.C. e são originários do Crescente Fértil/Mesopotâmia. O primeiro império Semita, foi o Império de Acádia, fundado por Sargão o Grande (2334 a.C. – 2154 a.C.) e que foi contemporâneo do Império Sumério (4500 a.C.-1900 a.C.) e do Império Egípcio (3150 a.C.-525 a.C.). Após a desintegração do Império Acádio em 1154 a.C., os povos semitas voltaram a não ter Reino nem Estado próprio.

Alguns desses povos instalaram-se na região de Canaã (Levante Sul), e chamavam-se por isso Canaanitas. Alguns desses Canaanitas emigraram em 1800 a.C. para a região do Delta do Nilo, formando o Reino dos Hyksos, que chegou a dominar o Império Egípcio até 1530 a.C. ano em que os Egípcios expulsam e aniquilam o Reino dos Hyksos. Em 1500 a.C é o Império Egípcio que ocupa a região de Canaã, até 1200 a.C.

Durante a fase final da ocupação Egípcia, alguns povos Canaanitas acabaram por se organizar numa confederação étnica (não num Estado) de tribos Semitas – Os Israelitas. Os restantes Canaanitas transformaram-se nos Fenícios e foram mais para Norte para o actual Líbano.

Os Israelitas são referenciado pela primeira vez históricamente, em inscrições Egípcias de cerca de 1200 a.C. como habitando na região de Canaã.

Desde cedo que os Israelitas quiseram reclamar para si a região de Canaã (actual Israel). Canaã era uma terra mais fértil do que o deserto circundante, onde havia fruta, azeitonas e mel. A forma de legitimizarem a sua ocupação da região foi a adição ‘à posteriori’ das passagens de Abraão e do Êxodo, no Antigo Testamento, mas como se já tivessem sido escritas milénios antes.

No livro de Genesis 15:18-21, Deus confere a Abraão e seus descendentes, a “Terra Prometida” (ou “Terra do Leite e do Mel”) em troca da sua fé incondicional. No livro do Êxodo, Deus (Yahweh) liberta então os Israelitas (os descendentes de Abraão) da suposta escravatura no Egipto, sendo Moisés que os conduz finalmente à Terra Prometida. Este mito apresenta os Israelitas simultâneamente como vítimas e como povo escolhido de Deus, legitimizando a região de Canaã a Oeste do Rio Jordão como sua, por desígnio divino.

Não existe qualquer suporte histórico ou arqueológico para estes dois mitos de Abraão e do Êxodo. Tudo indica que estas passagens tenham sido adicionadas às Escrituras por volta de 1200 a.C, para reclamar a “Terra Prometida” a quando da queda do Império Egípcio. Mas foram apresentadas como se já tivessem sido escritas milénios antes, para parecer que os Israelitas já estavam naquela região há muito tempo. Vem lá também escrito que os Israelitas teriam aniquilado os restantes Canaanitas, mas também não há registos nem provas disso e como se sabe, os Canaanitas deram foi origem aos Fenícios.

O Reino de Israel enquanto Estado Nação, é fundado apenas no ano 1000 a.C. mas é ocupado menos de 300 anos depois pelo Império Assírio em 722 a.C e logo depois pelo Império Babilónio em 586 a.C. Seguiu-se sem interregno a ocupação do Império Persa em539 a.C. e logo depois a a ocupação Grega da região em 330 a.C e é só em 142 a.C. que Israel se liberta da ocupação Grega, juntando-se ao Reino de Judá (a Sul) para formar o Reino da Judeia que 79 anos depois acabariá novamente ocupado, desta vez pelos Romanos em 63 a.C.

Durante a ocupação Romana (63 a.C. – 324 d.C), Israel passa a ser chamado Palestina no ano 135 e o Hebreu morre como língua falada excepto nas liturgias. Segue-se a ocupação Bizantina (324 – 638) que não é mais do que a continuidade da ocupação Romana, e logo de seguida a ocupação Islâmica. (638 – 1099), subsequentemente à qual a maioria da população se torna Muçulmana.

Segue-se a ocupação Cruzada (1099 – 1291) e novamente a ocupação Islâmica (1291 – 1517) por parte de Saladino, sendo que desta vez o povo Judeu foi integrado e autorizado a praticar a sua fé. Muitos Judeus regressaram à Palestina fugidos das perseguições na Europa, durante a Idade Média.

Segue-se a invasão por parte do Império Otomano (1517 – 1917) que dura até ao fim da 1ª Guerra Mundial no início do Século XX. Durante este período, os Judeus fazem diversas tentativas de se regressar à Palestina devido a perseguições na Rússia, mas a ideia nunca foi bem recebida pelos Otomanos. A primeira grande dessas diásporas dá-se em 1880 e a segunda em 1904, num total de 85 mil Judeus. No entanto seis vezes mais Árabes regressam também à Palestina num total de 500 mil. Começa também a ser re-adoptado o Hebreu como língua falada corrente entre Judeus.

Durante a 1ª Guerra Mundial, os Britânicos tiveram ajuda da “Revolta Árabe” para derrotar os Otomanos e por conseguinte prometeram entregar a região da Palestina (entre outras como a Síria) à soberania Árabe, numa série de correspondências trocada entre o Governo Britânico e Hussein bin Ali, Sharif de Meca. Entre 1917 e 1948, a região encontra-se sob administração Britânica. Em 1917 o Governo Britânico emite a Declaração de Balfour, na qual promete igualmente uma nação soberana para o povo Judeu, na Palestina, desde que nada de mal fosse feito aos não-Judeus que lá habitassem. Isto deve ter caído muito mal ao mundo Árabe, pois eles é que tinham ajudado os Britânicos a derrotar os Otomanos e eles é que lá estavam antes dos Otomanos.

No tratado de Sèvres (1920) que tanto Árabes como Israelitas assinaram, ficou acordado que Israel se localizaria a Oeste do Rio Jordão e a nação Árabe a Leste do mesmo. As migrações Zionistas começam em larga escala devido a perseguições de Judeus na Rússia, Ucrânia e Alemanha e a Administração Britânica cede aos recêm-chegados imigrantes Judeus extensas propriedades arrendadas a agricultores Árabes por senhorios Árabes que estivessem ausentes e não pudessem reclamar. Isto enfurece os Árabes. Para piorar a situação os Judeus depois recusam-se a vender ou alugar terras aos Árabes, além de se recusarem a contratá-los para trabalhar.

Isto levou às revoltas Árabes contra os Judeus da Palestina de 1921, 1929, 1936-1939, nas quais inúmeros Judeus foram criminosamente massacrados. A comissão Peel propôs em 1937 a divisão da região em dois Estados (Israel e Palestina). Os Israelitas aceitaram, mas os Árabes recusaram e em 1939 foi proposta a criação de uma nação apenas Árabe com quotas de emigração Judaica, que também impunha quotas de compra de terras Árabes por Judeus. Isto esteve temporáriamente em vigor durante a 2ª Guerra Mundial mas, devido ao Holocausto, as hordes de imigrantes Judeus não paravam de chegar ilegalmente às zonas da Palestina sob Administração Britânica, o que aumentou as tensões na região.

A partir da 2ª Guerra Mundial, o foco do Reino unido era a guerra na Europa, pelo que a Palestina permaneceu neste impasse, embora houvesse pressão dos Árabes e dos Judeus para a independência. Ao permitir estas entradas excessivas e ilegais de Judeus, o Governo Britânico foi criando tensões na região com o objectivo de dividir para reinar.

Embora a maioria das nações Árabes tenha lutado contra os Alemães Nazis na 2ª Guerra Mundial, e embora os Nazis os vissem como uma raça inferior (por serem também Semitas), Hitler soube manipular em 1941 uma pequena facção radical Islâmica liderada por Amin al-Husayni, prometendo-lhe que erradicaria os Judeus da Palestina se ganhasse a guerra. Em troca, Amin al-Husayni e as suas milícias colaboraram com os Nazis em batalhas nos Balcãs. Em resposta, os Britânicos colabraram com a resistência Judaica Yishuv, no sentido de consolidar a presença Israelita na Palestina.

Apesar disto, após a 2ª Guerra Mundial entre 1945 e 1946, a resistência Israelita coordenou uma série de ataques contra a presença Britânica na Palestina, que vitimaram inúmeros militares e civís. Na sequência disto a Resistência Judaica foi desagregada e a Yishuv passou a dedicar-se novamente só a facilitar a emigração ilegal de hordes de Judeus refugiados do Holocausto, para a Palestina.

Em 1947 a recém-formada ONU decidiu que em 1949 seríam formados no território da Palestina, duas nações soberanas: Uma nação Árabe de 11,000 km2 com uma minoria étnica Judaica, e uma nação Judaica de 15,000 km2 com uma minoria étnica Árabe. As áreas destas nações não seriam porém contínuas pois, Belém e Jerusalém ficariam sob administração da ONU. Nem os Árabes nem os Judeus ficaram muito satisfeitos, mas só os Judeus concordaram. Os Árabes não concordaram porque além de discordarem do direito dos Judeus a um Estado soberano, 67% da população era Árabe e ficavam eles com menos terra. Ver mapa abaixo:

A proposta foi aprovada por maioria pelos países das Nações Unidas em 1947 e logo começaram os primeiros ataques isolados e descoordenados dos Árabes. Seguiram-se os ataques dos Israelitas em 1948, incluindo o Massacre de Deir Yassin, levado a cabo por milícias de 120 Judeus (dos quais morreram 4) e do qual resultou a morte de 150 Árabes civis incluindo mutilações, violações e assassinato de prisioneiros préviamente exibidos vivos, nas ruas de Jerusalém. Entre 1947 e 1948, os conflitos Isrealo-Árabes reclamaram mais de 2000 vidas.

Em 14 de Maio de 1948, a Administração Britânica retira-se oficialmente…. E exacatamente um dia antes, David Ben-Gurion auto-proclama unilateralmente o Estado de Israel, reclamando toda a área referida na Bíblia como “Terra Prometida“, ou seja, toda a região da antiga Canaã. Isto inclui não só o território atribuido pela resolução da Nações Unidas a Israel (a verde), mas também toda a área atribuida aos Árabes (a amarelo), Jerusalém e Belém(a branco) além de todo o Líbano e territórios pertencentes ao Egipto e à Jordânia.

A declaração foi efectuada como “em virtude de nosso direito natural e histórico e da força da resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas“. Por direito natural e histórico, Ben-Gurion se refere à auto-proclamação dos Israelitas como “povo escolhido de Deus” adicionada tardiamente pelos próprios ao Antigo Testamento, e que não tem quaquer fundamento histórico nem arqueológico. Recordemos que foram os Israelitas que se auto-denominaram “povo de Deus” e que escreveram na Bíblia que Deus lhes tinha “prometido” as Terras de Canaã. Apesar disso, em 3000 anos de história, aquele território foi deles apenas durante 350 anos. Se a isto se pode chamar um direito natural e histórico, eu vou ali e venho já. Depois Ben-Gurion refere a resolução das Nações Unidas, mas essa é bem clara em que o território de Israel se deve cingir às zonas a verde no mapa acima.

Vejamos pois na figura a seguir, qual é afinal o território que esta auto-proclamação de Ben-Gurion reclama para Israel:

Image 2: The “Promised Land” – Blue and Red lines

Delimitado pelas linhas vermelha e/ou azul podemos ver o que Ben-Gurion se refria como sendo o direito natural e histórico de Israel, o que incluia toda a parte destinada aos Árabes pela ONU, assim como as áreas de Jerusalém, Belém, Líbano e parte do Egipto.

Nos dias imediatamente a seguir, a Liga Árabe (Jordânia, Egipto, Síria, Líbano e Iraque) atacaram Israel como reacção a esta declaração de Ben-Gurion, e justificada pela necessidade de defender as várias nações Árabes da ocupação que esta auto-proclamação unilateral Israelita implicava.

Durante a primeira guerra Israelo-Árabe que se seguiu de 1948 a 1949, a Liga Árabe nunca incitou as populações Árabes a evacuar a área reclamada por Israel, excepto em áreas isoladas para fins militares. Os povos Árabes foram forçados a evacuar sim, por força de ataques de forças para-militares Israelitas, como o Haganah, em centros urbanos como Haifa e Jaffa, ou massacres como o já referido de Deir Yassin.

A guerra foi vencida por Israel que anexou mais do que lhe estava destinado por direito pelas Nações Unidas. A verde podemos ver a área ocupada por Israel após a guerra (comparar com mapa anterior). O Egipto ficou a controlar a Faixa de Gaza (a cinzento), e a Jordânia ficou a controlar a chamada Margem Ocidental, assim como Jerusalém Oriental (ambas a cinzento).

1950-1967: No total, milhares de Árabes fugiram ou foram expulsos num processo que eles chamam “Nakba”, resultando em 750 mil refugiados dos quais apenas 100 mil foram aceites por Israel e os restantes pela Jordânia, na Margem Ocidental. Mais nenhum país Árabe os quis acolher com receio de que isso implicasse reconhecer o Estado de Israel. Desde então, os refugiados Árabes Palestinianos, vivem em campos de refugiados na Faixa de Gaza ou na Margem Ocidental do Rio Jordão. Análogamente, 850 mil Judeus fugiram ou foram expulsos de países Árabes durante a guerra mas, 250 mil foram prontamente acolhidos por Israel e os restantes 600 mil, em 1972. Até 1966 as propriedades Árabes abandonadas em Israel foram anexadas pelo Estado e os Árabes que permaneceram viveram sob Lei Marcial, tendo adquirido direitos normais de cidadania a partir dessa data. Entre 1949 (fim da 1ª guerra Israelo-Árabe) e 1967 (Guerra dos Seis Dias), houve constantes e recíprocos ataques isolados de guerrilha ou terrorismo entre Israelitas e Árabes (estes últimos apoiados pelo Egipto, via Faixa de Gaza).

Guerra dos Seis Dias: Em resposta ao continuado apoio miltar do Egipto aos Palestinianos de Gaza e também devido a movimentos militares Egípcios na Península do Sinai (fronteira com Israel), a Junho de 1967 Israel lança um ataque “preventivo” contra o Egipto, resultando em seis dias de guerra. Israel, que iniciou o ataque, ocupou a Faixa de Gaza (Egipto), a Margem Ocidental (Jordânia) e Jerusalém Oriental, invadindo deste modo o restante do território que a resolução das Nações unidas tinha destinado a uma nação Árabe na Palestina.

A OLP e o Direito ao Retorno: Em 1964 havia sido formada a OLP que na sequência deste ataque de 1967 faz a exortação do “Direito ao Retorno” ou “Grande Marcha de Retorno” mas que não é um retorno aos territórios ocupados pela Guerra dos Seis Dias, uma vez que os Judeus não expulsaram os Árabes Palestinianos que lá viviam até então. É um retorno a toda a área da Palestina antes administrada pelos Britânicos. Da mesma forma que os Israelitas ocuparam o que não lhes cabia por direito na Guerra dos Seis Dias, a OLP reclama agora o direito dos Árabes fazerem o mesmo. Se por um lado Ben-Gurion fundamenta o direito Israelita a toda a Palestina com base na Bíblia, por outro lado a OLP fundamenta-o no facto de terem sido os Árabes quem ocupou a região nos 1000 anos que precederam imediatamente os 400 anos de ocupação Otomana, que eles mesmos ajudaram os Britânicos a derrotar.

A seguir: da Década de 60 ao Presente (continua)…

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Author: Miguel Queiroz

2 thoughts on “Contexto Histórico do Conflito Israelo-Árabe

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